A DITADURA DA BELEZA E O EXTRAVIO DA ESSÊNCIA

Erin

Progresso de leitura

Para os materialistas, o homem resume-se ao conglomerado celular representado pelo corpo carnal e nada dele subsiste ao fenômeno morte. Para os espiritualistas em geral, possuímos uma alma imortal, às vezes, conforme o entender panteísta, diluindo sua identidade no espírito divino após a experiência física. Nas religiões orientais e correntes esotéricas, somos constituídos por um espírito ou alma e vários corpos, até sete ou nove.

Para os espíritas, simplificadamente, o homem possui três elementos: o corpo físico, a alma e o perispírito. Revelações outras de encarnados e desencarnados parecem não deixar dúvidas de que há pelo menos mais dois corpos: o vital ou etéreo e o mental.

Em mais um dos muitos paradoxos que o comportamento do ser humano é apanhado, vê-se cada vez mais pessoas capazes de se declarar religiosas, agindo como materialistas. Referimo-nos ao endeusamento do corpo.

Embora os homens estejam aderindo, a imensa maioria é de mulheres, muitas delas dispostas a gastar cem mil reais para fazer intervenções em até dez regiões do corpo, algumas repetidas com o tempo. Há casos extremos em que somados às cirurgias corretivas, tem-se o uso de implantes de silicone e aplicações de Botox, tudo para se “transfigurar” no próprio ídolo, seja uma atriz famosa ou uma dançarina bem dotada.

A vaidade é enaltecida hoje como uma virtude quando deveria ser, senão combatida, ao menos controlada e vista como uma deformação de caráter. Valerá o tempo, a preocupação e muitas vezes o endividamento no cartão de crédito só para visitar o salão de beleza semanalmente ou adquirir um creme importado?

O corpo físico constitui-se em valioso patrimônio do ser humano encarnado na Terra. É o veículo imprescindível à sua manifestação no mundo material. Sem ele, o espírito estaria impossibilitado de cumprir importantes etapas de sua evolução rumo à perfeição e felicidade que lhe são inerentes como destinação de criaturas divinas.

Somente reencarnado na Terra, de posse de um corpo carnal, é que pode expiar as faltas do pretérito, reajustando-se com seus semelhantes, perante as leis divinas e a própria consciência. Por ele, desenvolve as faculdades potenciais pelas provas e missões a que se submete.

Razão pela qual deve zelar com muita dedicação pelo seu bem-estar, evitando toda ordem de excessos que possam lhe comprometer o bom funcionamento. Vícios, ociosidade, trabalho demasiado, drogas, alimentação inadequada devem ser evitados para que a natureza siga seu curso livremente até o momento em que, tal qual uma veste desgastada, seja abandonado.

Justos, pois, os cuidados que visem à manutenção e melhoria da saúde: exercícios físicos, alimentação balanceada, higiene, medicação quando necessária, inclusive a preventiva, os esforços, enfim, para manter a aparência saudável, espelhando no corpo a alegria que se irradia da própria alma.

Entretanto, embora o respeito ao livre-arbítrio individual, propõe-se uma reflexão em torno da postura obsessiva com que o corpo passou a ser exaltado. Para quê? Até quando? Proporcionar mais felicidade? A marcha implacável do tempo fará desvanecer por completo a ilusão. Em vez da admiração à embalagem, melhor cuidar do conteúdo. O corpo não passa de uma casca, perecível, descartável. E quando tal ocorrer, o que guardará dentro?

Cada cabeça, uma sentença. Somos livres para agir, mas da semeadura que fizermos, dos frutos teremos que nos alimentar, justa e inevitavelmente. Nesta ou na outra dimensão, haverá o reencontro com a realidade, gerada por nós mesmos e transformada na paz conquistada com esforço digno ou em sombra de dor pelos equívocos a reclamar doloroso recomeço. Só depende de nós.

WILSON CZERSKI em Admirável mundo em que vivemos (adaptado)