ENTREVISTA – JOSÉ LÁZARO BOBERG

entrevista-jose-lazaro-boberg-set-2019

Progresso de leitura

JOSÉ LÁZARO BOBERG é formado em Pedagogia e Direito. Advogado e Mestre em Direito, é professor emérito e ex–Diretor da Faculdade Estadual de Direito do Norte do Paraná, da UENP (Universidade do Norte Pioneiro de Jacarezinho/PR). Autor de diversas obras de sucesso como O evangelho de Judas, O evangelho de Maria Madalena e O evangelho Q, entre outros, nesta entrevista Boberg nos fala mais a respeito de Seja feita a sua vontade – A força do querer, seu 20º livro. Confira:

 

O que os leitores encontrarão em seu novo livro Seja feita a sua vontade – A força do querer?

O despertar da consciência para a força imanente, que todos trazem ao nascer, e cuja realização, em relação a nossos ‘quereres’, vincula-se sempre à própria criatura, colocando em ação seus potenciais íntimos.

Qual o principal foco doutrinário desta obra?

É a Vontade livre e soberana que, no dizer de Emmanuel, “é gerência esclarecida e vigilante, governando todos os setores da ação mental”. Ressalte-se, nesse sentido, o livre-arbítrio, que é a liberdade de escolha, presidida pela vontade. Por conta dessa interpretação, a prefaciadora da obra, a psicóloga, Dra. Maria Eugênia Nastari Reis, do Rio de Janeiro, em consideração a respeito da obra, resume o seu conteúdo, dizendo: o livro Seja feita a sua vontade é um tributo ao livre-arbítrio.

Qual a proposta deste livro?

O que se espera é que o sujeito possa saber o real tamanho de seus potenciais ou dificuldades, a partir de sua realidade interna e não pelo desejo dos outros. A grande tarefa de todo ser humano é fazer a travessia da alienação (ficar preso ao olhar do outro) para a singularidade (conquistar a própria essência).

O que seria a chamada vontade de Deus na percepção da doutrina espírita?

Primeiramente, precisamos esclarecer que são duas as formas de pensar sobre a ideia de Deus: a teísta e a deísta.

Para o teísta, ela tem conotação de ‘submissão’, de ‘subserviência’, de ‘dependência’ total a um Deus, tipo antropomórfico (Deus pessoa) que intervém constantemente no mundo, monitorando tudo. Atende às súplicas das criaturas, ora permitindo, ora não permitindo; ora perdoando, ora punindo os pecadores; ora derrogando suas Leis, com a realização de ‘milagres’; ora julgando as criaturas nas suas ações ou mesmo pelos pensamentos. É um verdadeiro super-homem, uma verdadeira inteligência sobrenatural, que ‘castra’ a vontade de cada um. É sob esse entendimento a imagem projetada pelas criaturas, por conta da influência ostensiva dos credos religiosos, do Deus judaico-cristão do Velho Testamento, entidade colérica, vingativa e malevolente que, de certa forma, ainda influencia o mundo cristão, na atualidade. É a cultura que ainda se tem de ‘Deus julgador’, sentado ‘lá em cima’ (como eram os reis em seus tronos) em espreita eterna, registrando se agimos de acordo com ‘Sua vontade’.

Já para o deísta, quando se diz que o homem tem que se “submeter” à vontade de Deus, está se referindo a viver sob a égide das Leis Naturais, no sentido de que não há julgamento por um Deus externo, mas pelo Tribunal da própria consciência, em que estão inscritas as Leis Naturais, conforme informaram os espíritos (questão 642 de O Livro dos Espíritos). Uma boa sugestão ao leitor é refletir sobre esse assunto em nosso livro, O código Penal dos Espíritos, publicado pela 1.ª vez, em 2009, tendo ainda mais 8 reimpressões.

E como ficam os espíritas que seguem o conceito de que é preciso fazer a vontade de Deus?

Precisam, obviamente, ‘repensar’. Diz André Luiz, no cap. 8, no livro No Mundo Maior, “Longe vai o tempo em que a razão admitia o paraíso ou o purgatório como simples regiões exteriores: céu e inferno, em essência, são estados conscienciais e, se alguém agiu contra a Lei, ver-se-á ‘dentro de si mesmo’ em processo retificador, tanto tempo quanto seja necessário”, pelos desvios da alma. Este autor espiritual, não deixa por menos, sacramentando que a vontade de Deus é a sua vontade; aquele que se desalinha das Leis naturais, entra em processo de correção, tanto tempo quanto necessário, porém, sem qualquer ideia de ‘castigo divino’, pela vontade de um julgador externo. 

Não seria paradoxal aceitar o livre-arbítrio e, ao mesmo tempo, acreditar em um Deus interventor? Como resolver isso?

Esse é um tema que questiono o leitor, ao longo da obra, sobre duas concepções filosóficas: se tem livre-arbítrio ou um Deus interventor? As duas coisas não podem estar juntas, pois elas se contrariam. É paradoxal a aceitação de ambas. Se houvesse intervenção divina, típica da ideia teísta, o Espírito não teria responsabilidade de nada, pois, afinal, não foi escolha sua. Como o livre-arbítrio é conquista do próprio Espírito, em suas várias experiências, nesta, e em existência anteriores, suas escolhas, sejam elas erradas ou sejam certas, fazem parte do processo de aprendizagem. Para nós, aquilo que chamados de Deus, não interfere nunca! Esta é a prevalência da teoria deísta, conforme defendemos e calcada na ideia inicial de Kardec, em O Livro dos Espíritos. Demonstramos que, embora o Espiritismo tenha nascido para ser deísta, em oposição ao teísmo da Igreja da época, mesclou, na elaboração da obra, as duas em muitos momentos. Não nos esqueçamos de que grande parte dos coadjutores espirituais de Kardec eram os pais da Igreja.

Alguns leitores consideram suas obras polêmicas. Por que isso acontece?

Alguns, mas não todos.

Pensar diferente é fazer diferente e, obviamente, estamos preparados para enfrentar as críticas das mentes, que, por conta de sua evolução, ainda estão, naturalmente, ‘engessadas’ ou ‘presas’ ao estágio de seu entendimento. Assim, com certeza, cada leitor tem a sua reação, seja por conta da concordância, seja da discordância, seja até mesmo de nenhuma delas.

Que seria da Humanidade se todos pensassem igualmente? Portanto, a polêmica é saudável, e depende do ponto de vista e do estágio do entendimento daquele que assim pensa. Não temos objetivo nenhum de polemizar.  Ancoramo-nos em Kardec quando afirma que o Espiritismo é uma filosofia, calcada na ciência com consequências morais. Temos, por princípio, pesquisar exaustivamente tudo o que está disponível. No caso específico das obras gnósticas cristãs (Evangelhos de Tomé, Judas e Maria Madalena), e depois o Evangelho Q, em que surgem as maiores polêmicas. Elas contestam em vários momentos os ensinamentos bíblicos, cujos defensores alegam serem seus conteúdos “palavras de Deus”, e que não podem ser contrariados. Na realidade, cá entre nós, são palavras dos homens, mesmo! No entanto, a elaboração desses estudos foi fundamentada em pesquisadores de ponta, sérios, de renome internacional, PHDs das diversas universidades. Nas outras obras de nossa autoria, trazemos conceitos novos, sem fixar-nos tão somente no entendimento religioso. No entanto, entendemos que, em se tratando de assuntos de espiritualidade e religião, é salutar o debate alteritário, no sentido de somar para ampliar a compreensão. Acreditamos que a Humanidade avançou mais através daqueles que foram considerados ‘heréticos’ ou que pensaram diferente da maioria. Gostamos muito de filosofar, mas sempre procuramos amparo nas pesquisas científicas. No dizer de Kardec, O Espiritismo será científico ou não subsistirá. Muitas vezes, isso pode ‘chocar’ o leitor, ainda preso ‘apenas’ ao aspecto religioso da doutrina espírita. Todo avanço e acréscimo se devem à dor da colisão de opostos. Sem ela, tudo seria sempre o mesmo, no sentido literal e figurado. 

Seu livro Leis de Deus – eternas e imutáveis está sendo lançado em Portugal e Espanha. Como você analisa este momento? É o espírita estrangeiro buscando novas fontes de informação?

Os conceitos universais não têm fronteiras. A ideia de Deus, salvo raras exceções, sempre foi tida de forma antropomórfica, do Deus pessoa, tal como a aceita pelas religiões Abraâmicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo). O livro Leis de Deuseternas e imutáveis exclui esse entendimento, trocando-o por um Deus Cósmico. Assim, o editor Jorge dos Santos, Diretor da Editora portuguesa, lendo a obra, apresentada por uma amiga brasileira, solicitou à Editora EME direitos para sua publicação em Portugal e Espanha. O editor brasileiro, Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo, atendeu o seu pedido e a obra está sendo publicada, neste mês de julho/2019, primeiramente em terras lusitanas, para depois, ser traduzida para o castelhano e publicada na Espanha.

Por falar em Leis de Deus, qual a diferença entre estas e as leis naturais? E as leis morais doutrinárias, como ficam neste contexto?

Na verdade, inicialmente, a Igreja é quem fez essa diferenciação, separando o que são as leis humanas, daquelas que não são de sua criação. Denominou aquelas que não foram elaboradas pelos homens, de Leis naturais ou Leis de Deus. O Espiritismo, seguindo essa linha de raciocínio lógico, continuou com essa divisão, porém, denominando, ainda, essas leis divinas, de Leis Morais.

As leis humanas se modificam em função da evolução de cada povo. O mesmo ocorre com as Leis de Deus?

Conforme já reportamos, anteriormente, as Leis Naturais, divinas ou morais são eternas e imutáveis. E, sendo assim, quem tem que mudar ou, melhor adaptar-se a elas é a criatura humana. Quem quer ‘milagre’ quer, na verdade, ‘egoisticamente’, a derrogação dessas leis naturais para o seu caso pessoal.

Por que, logo no primeiro capítulo de Seja feita a sua vontade – A força do querer, você faz uma reflexão sobre a ideia que temos de Deus?

Trata-se de uma ‘estratégia’ didática para deixar claro, que conforme o entendimento da criatura sobre a ideia de Deus, será entendido esse aforismo, Seja feita a sua vontade.

Para quem cultua a ideia teísta, a vontade de Deus é aquela em que um ser superior comanda tudo, atendendo nossas súplicas, perdoando ou não perdoando, castigando quando erramos, etc. Nessa ótica, somos na verdade ‘dependentes’, sem vontade própria. Por outro lado, quem vê Deus pela ideia deísta, tem o livre-arbítrio, como mecanismo de escolhas livres, sem a tutela de um Deus-interventor. Então, aqui, a vontade de Deus é na verdade a vontade de cada um.

O aforismo Seja feita a Sua vontade faz parte da oração do Pai Nosso. Significaria que Jesus ensinou a orarmos para ‘fugirmos’ de nossos compromissos em aprender com os obstáculos? Mas não é isso que a doutrina ensina. Como resolver esta questão?

Tema polêmico. Muitos creem que, quando se ora, Deus intercede em nossas petições, atendendo-nos. Dissemos em nosso livro Peça e Receba – o Universo conspira a seu favor que se trata de apenas ‘sugestão’ dada por Jesus, no texto de Mateus (7:7) “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á”.  Quando ‘sugere’ para orar, pedir, buscar, bater, nada tem que ver com Deus pessoal, ou da intervenção de um “ser supostamente divino e exterior ao Cosmo”, mas, unicamente, com o próprio homem, pois, na realidade, o que se está propondo é a técnica do uso correto das leis da mente.  Esse convite tem sido recebido com equívoco por parte da criatura; frequentemente é visto como a ‘lâmpada de Aladim’ de cada desejo humano, a garantia de que, se orarmos por ele, Deus concederá.  São ‘ditos breves’ com rápidas gradações que nos ensinam como devemos proceder quando desejamos alguma coisa. Assim, continua válido o ensinamento de que aprendemos com os obstáculos. Nada vem de graça. Tudo é fruto do esforço pessoal. 

Neste caso, se Deus conhece as nossas necessidades, qual a utilidade de se pedir algo nas nossas preces?

Insistimos que, embora pensemos, pela ótica teísta, que Deus, em pessoa, está nos ouvindo, na realidade é, segundo entendemos, um processo de ‘protocolar’ os nossos desejos na mente, e trabalhar para que sejam materializadas as nossas orações. Estamos conectados com o Universo.

Por que existe então, mesmo no espiritismo, orações ditadas por espíritos e publicadas em livros? Neste sentido, o próprio Kardec apresentou “modelos” de preces. Como explicar?

Kardec afirma que a forma nada vale, o pensamento é tudo. Afirma ele que, quando os Espíritos transmitem alguns ‘modelos’, têm objetivos específicos de: fixar ideias na mente, daquilo que se pretende que se materialize; destacar alguns pontos sobre certos princípios da Doutrina Espírita; auxiliar aqueles que sentem dificuldade de externar suas ideias. (Ver cap. 16, em Peça e Receba – o Universo conspira a seu favor, onde detalhamos esses conceitos).

Deixe uma mensagem aos nossos leitores

Ao lado dessas leis humanas, necessárias para administrar a organização social, existe um tipo de lei que, simplesmente, não foi elaborada pelo homem: são as Leis Naturais, (convencionadas, pela Igreja, por esse motivo, de Leis de Deus). O espiritismo adicionou, ainda, o título de Leis Morais. São dotadas de “cláusulas pétreas”, por serem perfeitas, eternas e imutáveis.

Então, para que não paire dúvida, quando aludirmos, no decorrer da obra, à expressão Vontade de Deus, estamos nos referindo à ação dessas Leis naturais, ou seja, aquela de cuja elaboração o homem não participou. Elas se acham escritas na própria consciência (Q. 621 de O Livro dos Espíritos), têm caráter universal, de conteúdo possível de ser de todos conhecido, embora nem sempre e a um só tempo por todos compreendido.  (Q. 619). Necessariamente, com o tempo, iremos entender que construiremos a felicidade, adaptando-nos a elas, independentemente de crença religiosa. Elas são, pois, universais. Se alguém “pular” de uma montanha, seja qual for o seu grau de espiritualidade, não tenham dúvidas de que se espatifará no solo, por conta da infração à lei da gravidade; a não ser que se adapte a ela, usando paraquedas, asas-deltas, ou outros instrumentos que tenham esse mesmo objetivo. Assim, vai ocorrer com a necessária sintonia às demais Leis Naturais.

Vamos, pois, pensar, ou mesmo, repensar juntos. Não adianta ler este livro de espírito ‘armado’, simplesmente com o intuito de contestação, refutando, sem reflexão, toda informação diferente daquela que você convencionalmente recepcionou até aqui. Certamente ele mexerá com suas crenças, já estereotipadas, há muito tempo. É necessário, pois, parar muitas vezes, fechar o livro e meditar, e depois reler e ruminar tudo. Todo o homem que não se guia pela fé cega (fé que apenas crê), é, por isso mesmo, livre-pensador (fé solidificada na experiência). Por essa razão, os Espíritas são também livres-pensadores. Vamos empreender uma jornada de reflexões em cujo final, se você não ‘abandonar’ a leitura, pois é perfeitamente normal, dependendo do estágio de maturidade espiritual (sem crítica alguma!), certamente, você não será o mesmo!

 

SEJA FEITA A SUA VONTADE – A FORÇA DO QUERER. Garanta já o seu clicando aqui