DRAMAS QUE SE REPETEM DENTRO E FORA DA FICÇÃO

Blog da EME - 2025-10-03T112730.113

Progresso de leitura

Dar ao corpo o que lhe é necessário, a fim de torná-lo servidor útil e não tirano, tal é a regra do homem criterioso.¹

Léon Denis, filósofo espírita francês

A ficção se mistura à realidade quando o tema é o abuso de álcool e outras drogas – e aqui incluo a cerveja e o cigarro, também classificados como tais.

A “novela das nove” da TV Globo, Vale Tudo, traz a personagem Heleninha (Paola Oliveira), uma alcoólatra em abstinência e recuperação. Como voluntário em clínicas especializadas, posso afirmar que a comovente história da personagem poderia ser substituída por tantas outras, de mulheres e homens em tratamento, muitos dos quais frequentando grupos anônimos.

Existe uma multidão invisível de usuários e dependentes que se recusam a admitir a doença ou sentem vergonha de – ou orgulho para – buscar ajuda. Não sabem que nesses espaços vão encontrar algo além de sobriedade: vão encontrar uma nova chance de vida, com dignidade e sentido. Os grupos de apoio oferecem uma programação espiritual (sem conotação religiosa ou moralista) que acolhe e transforma. A grande chave está na identificação – a chamada “terapia do espelho”. O sofrimento, a angústia e a dor criam pontes entre os membros do grupo. O que um compartilha, o outro reconhece. E, nesse reflexo, nas histórias cruzadas, renasce a esperança. A recuperação independe de idade, classe social ou grau de instrução.

Enquanto isso, nas estradas, os dados da vida real assustam. Segundo o Programa “Respeito à Vida – São Paulo” (em parceria com a ONU e concessionárias de estradas), na emenda dos feriados da Semana Santa e Dia de Tiradentes, entre os dias 17 e 21 de abril, foram registradas 10.003 infrações de trânsito. Na fiscalização, 10.400 motoristas passaram pelo bafômetro, e 376 deles foram autuados por dirigir alcoolizados ou por se recusar ao teste – 3,6%. No mesmo período, ocorreram 74 acidentes de trânsito, 52 deles com vítimas.

Esses números, somados aos dramas que se repetem dentro e fora da ficção, são um alerta. A recuperação é possível – mas o primeiro passo é reconhecer que há um problema. E procurar ajuda.

Ensina o espírito Emmanuel: “Como realizar a grande jornada, se não nos dispomos a dar os primeiros passos? As gotas d’água formam o grande rio, e notas minúsculas compõem a sinfonia magistral”.²

A família exerce um papel fundamental na recuperação dos dependentes, seja do álcool ou de outras drogas. No livro Sinal verde, pela mediunidade de Chico Xavier, o médico espiritual André Luiz aconselha: “Não adianta reprimenda para o irmão embriagado, de vez que ele, por si mesmo, já se sabe doente e menos feliz. Toda vez que você destaque o mal, mesmo inconscientemente, está procurando arrasar o bem. Não critique, auxilie. Para qualquer espécie de sofrimento, é possível oferecer uma migalha de alívio e amparo – ainda que essa migalha seja apenas um sorriso de simpatia e compreensão”.

A espiritualidade também colabora nesse processo. Em uma comunicação recebida em nosso centro, o espírito Cornélio Pires nos orientou a continuar atendendo essas pessoas no plano físico, pois, do lado de lá, o trabalho é igualmente intenso. Segundo ele, há uma colônia espiritual próxima a Botucatu (SP), chamada Curuçá, que acolhe espíritos de toda a região. Médicos desencarnados como Américo Bairral e Cesário Motta estariam envolvidos nesse processo de recuperação dos desencarnados que acompanham os dependentes químicos, obcecados com o uso e os efeitos de substâncias que alteram o humor.

Allan Kardec também interrogou os espíritos sobre o consumo de álcool: “A distorção das faculdades intelectuais pela embriaguez é desculpa para os atos repreensíveis? – Não, pois o ébrio privou-se voluntariamente de sua razão para satisfazer paixões brutais: em vez de cometer um erro, comete dois”.³

Nosso destino é a perfeição. Todos a alcançaremos um dia pois somos espíritos perfectíveis. Para isso, é essencial cultivarmos bons hábitos. Se você deseja receber o melhor da vida, procure deixar o seu melhor por onde passar – talvez um dia tenha que retornar pelo mesmo caminho e reencontrar as mesmas pessoas.

Num mundo que ainda reluta em seguir os ensinos do Cristo, esforcemo-nos por viver o Evangelho e ser justos e amorosos uns com os outros.

Arnaldo Divo Rodrigues de Camargo é diretor da Editora EME 

¹ Depois da morte – FEB Editora

² Relicário de Luz – FEB Editora

³ O Livro dos Espíritos, questão 848 – Editora EME

Publicado originalmente na edição 523 de Correio Fraterno